O capítulo dedicado a este “Casal” apresenta uma lacuna no referente aos edifícios desta quinta. O esforço para a obtenção de uma descrição detalhada da sua história, embora com indicações que recolhemos fornecidas com a maior das simpatias foi, para o que ambicionávamos, pouco recompensado. Inclusivamente, não foram encontrados documentos referentes ao processo de construção da casa, nas consultas dos arquivos da Câmara Municipal de Cascais, contrariamente ao sucesso obtido noutras situações.
O casal de S. José, umas das casas mais bonitas da terra, não é indiferente a quem se aventura pela estrada marginal, a via que toca os seus limites a Sul. Vizinha de outro ex-libris da Parede, a “Casa das Pedras”, nasceu por iniciativa do médico oftalmologista Dr. Eurico Fernandes Lisboa, sendo construída por Diamantino Tojal e inaugurada no ano de 1925. O terreno onde foi edificado foi adquirido à condessa d’Édla, cuja “Quinta” e seus moradores são referidos noutro capítulo . Filho do médico cirurgião José Esteves Lisboa, também critico musical e fundador da Academia Musical de Lisboa, e de D. Isabel Fernandes, Eurico Fernandes Lisboa nasceu em Viana do Castelo em 4 de Março de 1879. O casal teve mais dois filhos, Álvaro, formado em Ciências Económicas e Financeiras, que foi muito novo para o Brasil como funcionário do Banco Nacional Ultramarino em Manaus, por lá casou e faleceu em 1962 e Ângelo, este escrivão do tribunal
“Com 4 anos de idade seus pais vieram para Lisboa e Eurico inicia na capital os seus estudos tendo completado o curso dos liceus na velha Escola Nacional, então instalada nos Restauradores. O seu espírito lúcido e o seu temperamento activo e comunicativo, já durante esse período da adolescência, o fizeram expandir-se para além do âmbito das aulas e dos livros, levando-o a frequentar o «Real Gimnásio», onde se dedicou ao exercício da esgrima. Muitas foram as amizades então criadas, na sala de armas, e que pela vida fora se reatavam em encontros expansivos de saudosas recordações.
Mas foi em Coimbra que a sua personalidade teve ocasião de se manifestar mais largamente. Aí, onde passou os sete anos de transição da adolescência para homem feito, Eurico Lisboa viveu intensamente toda a vida académica. Sendo um dos mais distintos alunos da Universidade, naquele fim de século em que uma extraordinária plêiade de valores ali desabrochou, formou-se simultaneamente em Filosofia (1902) e Medicina (1904), tendo ainda frequentado Matemática, curso a que lhe faltava apenas um ano, quando deixou a Universidade. Acompanhou, quando não dirigiu, todas as manifestações culturais e festas académicas, tomando mesmo parte na boémia coimbrã. Foi um dos animadores do célebre «Centenário da Sebenta», fez parte da «Tuna», andou em ceias e passeios no Choupal, ou em barcas no Mondego.
Tudo, porém, sem afectar a sua vida de estudante e sem comprometer a sua dignidade de homem. Soube assim, a um tempo, defender, na Academia, o direito a um feriado e atacar as tentativas de introdução política na vida académica, o que era então frequente. Respeitando a todos e a si próprio, conseguiu assim a estima de professores e colegas e até mesmo do povo simples e honesto da região, que confiado nele, lhe permitiu tomar parte nas suas festas e arraiais, o que geralmente era interdito aos estudantes irreverentes. O curso terminado, regressou a Lisboa para junto da família, e resolveu seguir a especialidade de oftalmologia, indo trabalhar, como interno, no então recentemente criado «Instituto Oftalmológico», junto do professor Gama Pinto, certamente um dos mais reputados oftalmologistas europeus da época. Uma vida bem diferente se iniciou para o estudante da véspera, que sempre recordará com saudade aqueles anos de mocidade exuberante, na sua risonha Coimbra.
Durante quatro anos o seu trabalho clinico, no Instituto, onde passou a morar, foi intenso, estendendose a sua actividade desde as primeiras horas da manhã até à noite. As suas qualidades de clínico foram-se manifestando e a sua preparação científica foi cuidadosa, tendose dedicado então, com frequência, sob a inspiração de Gama Pinto, a trabalhos de bacteriologia e anatomia patológica em relação com a sua especialidade. Mas o homem permaneceu o mesmo: a mesma actividade dominante, a mesma comunicabilidade afectuosa para com todos, o mesmo espírito desassombrado que o fizera desmascarar na Academia maquinações políticas, não se importando, para isso, de se opor energicamente, por vezes, a alguns dos seus professores. Nesta fase da vida tudo se orienta e tende à estabilidade. A sua actividade tem, na vida hospitalar, largo campo de acção e o seu temperamento afectivo tem igualmente, nos doentes, bem onde se exercer. Mas novos sectores da sua alma se abrem neste período, dando ocasião a completar-se inteiramente a sua personalidade, que seguirá, inalterável, uma longa vida sempre activa e social. O convívio com as «irmãs de caridade» que então exerciam a enfermagem no Instituto Gama Pinto, fê-lo surpreender-se pela dedicação aos doentes que nelas encontrava, e pela humildade perante ordens e repreensões agrestes, por vezes injustas, e sobretudo pela misteriosa transformação que nelas se operava quando, esmagadas pela dor, entravam na Capela, de lá saindo sempre risonhas. Uma religião maquinalmente seguida em pequeno, e depois esquecida durante os anos de Coimbra, abrese- lhe no peito, aquecendo-o da mais viva Fé. A par deste sentimento, a ideia de um lar, agora que terminado o curso se preparava para entrar na vida, impõe-se a este homem, que será o mais dedicado e exemplar dos chefes de família. Deus, a quem tanto ama, fá-lo deparar-lhe a companheira ideal para a sua vida de trabalho, dedicação, luta e caridade. Ao fim de quatro anos de internato no Instituto Gama Pinto, constituído o seu lar e aberto o consultório, que sempre quis ter na própria residência, ao lado da família, a vida do oftalmologista Eurico Lisboa foi iniciada e assim decorreu imperturbável, na sua intensa actividade, ao longo de 51 anos, que desde então decorreram até à sua morte (1955)…”
…” Apóstolo, não de palavras mas de actos, espalhava a semente do cristianismo na sua simples maneira de proceder. Nunca se negou a um doente, nem se preocupou se podia pagar ou não. Muito mais de metade da sua clientela era totalmente gratuita. E quantas vezes, ao tratamento, se juntava o medicamento e a ajuda monetária, a procura de emprego ou pelo menos o amparo moral? O cuidado que lhe inspiravam os doentes era tanto, tal a atenção que lhes dispensava, que era raro não reconhecer qualquer deles, mesmo passados muitos anos, e foram muitas dezenas de milhares de doentes que tratou, pois só inscritos nos seus livros de registo estão mais de 70.000. Com uma consulta diária que passava muitas vezes as 12 horas, mesmo assim nada esquecia, e dos centos de clientes que permanentemente tinha em tratamento, lembrava-se mais das suas necessidades do que eles próprios, arranjando sempre um momento para lhes telefonar ou escrever, quando uma ausência o inquietava. Contava em cada doente um amigo.
Um episódio cujo descritivo corre na Internet, revela-nos a acção do Dr. Eurico Fernandes Lisboa na doença que em 1920 vitimou a vidente Jacinta, um dos três pequenos pastores testemunhas das aparições da Virgem Maria, em Fátima, no 1.º quartel do século passado.
…“Jacinta de Jesus Marto (posteriormente elevada a «beata» pelo Papa João Paulo II, juntamente com seu irmão Francisco) nasceu a 11 de Março de 1910, na aldeia de Aljustrel, freguesia de Fátima, do concelho de Vila Nova de Ourém. Filha de agricultores remediados, era a mais nova de onze irmãos. Dela se escreveu que era possuidora de um olhar meigo e doce possuindo em alto grau aquela virtude de vida inocente e pura, exemplo para os homens e tão exaltada por Cristo. Sua prima Lúcia, também esta vidente de Fátima, diz de Jacinta «que gostava muito de agarrar os cordeirinhos, sentar-se com eles ao colo, abraçá-los e beijá-los, e à noite trazê-los ao colo para casa para que não se cansassem» Entre 1918 e 1922 Portugal foi atingido pela pneumónica, doença que dizimou mais de cem mil portugueses. Jacinta foi uma dessas vítimas, em 20 de Fevereiro de 1920, tal como seu irmão Francisco fora também, no dia 4 de Abril de 1919. Enviada para casa no final do mês de Agosto de 1919, depois de um internamento de dois meses no hospital de S. Domingos em Ourém, onde não foi possível curá-la de uma ferida aberta no peito, recebeu em Janeiro de 1920 a visita do médico oftalmologista Dr. Eurico Lisboa. Alarmado com o seu estado, pede aos pais da vidente que a deixem ir para um hospital em Lisboa. Jacinta, acompanhada por sua mãe, Olímpia de Jesus, chega à estação do Rossio no dia 20 de Janeiro, sendo levada para o Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres, nas imediações da Basílica da Estrela, actualmente convento das Irmãs Clarissas.
Ali permaneceu durante doze dias, enquanto o Dr. Eurico Lisboa providenciava o seu internamento no Hospital da Estefânia, que se concretizou no dia 2 de Fevereiro, ainda a tempo de ser operada mas não resistindo à doença. Viria a falecer no dia 20 de Fevereiro. Sobre este acontecimento é o próprio Dr. Eurico Lisboa que relata, no ano de 1934, as circunstâncias em que conheceu Jacinta Marto. Este depoimento foi um contributo inserido no livro «Uma Senhora mais brilhante que o Sol» da autoria do Rev.º Padre João De Marchi. Embora tratando-se de um facto ocorrido fora dos limites da Parede, aqui fica descrito como curiosidade de um episódio da vida de um paredense de adopção e do seu envolvimento na tentativa de salvar uma figura que a Igreja Católica elevou até aos Altares da Santidade. Foi no dia 13 de Janeiro de 1920 que o Dr. Eurico Lisboa decidiu estrear o seu novo automóvel, numa visita a Fátima, também motivado pela curiosidade de obter algum esclarecimento sobre as aparições da Virgem, ocorridas entre 1917 e 1919 naquela terra. «Em meados de Janeiro de 1920 fomos à Cova da Iria, por termos decidido que seria com uma tal viagem que iniciaríamos o uso do automóvel que, havia poucos dias, compráramos.
De passagem por Santarém fomos cumprimentar o Reverendo Padre Dr. Formigão, que sabíamos ser quem nos poderia instruir sobre tudo o que se tinha passado em Fátima, e de que tinha sido testemunha presencial. O Sr. Dr. Formigão, que só então tivemos o prazer de conhecer, iniciando-se então a firme amizade que nos liga, teve a gentileza de nos acompanhar a Fátima, sendo por seu intermédio que conhecemos as pequenas videntes Lúcia e Jacinta. Depois de termos ido à Cova da Iria com a Lúcia e de termos sob a sua direcção rezado o Terço, com uma inesquecível ternura e devoção, regressámos a Fátima, onde estivemos falando com a Jacinta e com as mães das duas videntes.» Nesse encontro estava presente um advogado de Ourém, o Dr. Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos que conhecera os videntes em 1917, e com eles falara após a Aparição de 13 de Outubro desse ano. Relata este advogado, num depoimento escrito em Dezembro de 1920: «…Foi o Dr. Eurico Lisboa, como médico, que mais urgiu junto dos pais da Jacinta a sua ida para a capital (disse à mãe que ela seria responsável pela morte da filha se não a deixasse ir para Lisboa)…» Prossegue o Dr. Eurico Lisboa: …«Censurando-os eu por não empregarem todos os esforços para dar saúde à Jacinta, disseram que não valia a pena, porque era desejo de Nossa Senhora levá-la e que já tinha estado no Hospital de Vila Nova de Ourém durante dois meses, mas que não tinha obtido melhoras nenhumas. Repliquei-lhes que a vontade de Nossa Senhora é superior a todas as forças humanas e que, para confirmação de que era de facto Nossa Senhora que a queria levar, deviam esgotar-se todos os recursos científicos para lhe conservar a vida. Excitados por este meu conselho, foram ouvir a opinião do Dr. Formigão, que estava ali perto, e que reforçou o que eu dissera, ficando logo combinado que viria para Lisboa. Efectivamente poucos dias depois, a 2 de Fevereiro deu entrada no Serviço 1 do Hospital Dona Estefânia, ocupando a cama 38 e ficando a ser tratada sob a direcção do Dr. Castro Freire, um dos mais distintos pediatras portugueses. Foi admitida com o diagnóstico: Pleurisia purulenta esquerda, fistulizada. Osteíte das 7.ª e 8.ª costelas do mesmo lado.»
No entanto, as lesões que a pneumónica provocara, não permitiram, apesar da acção do Dr. Eurico Lisboa providenciando para o seu transporte e internamento na capital, que a pequena Jacinta sobrevivesse. Viria a falecer no dia 20 de Fevereiro de 1920 como atrás referido.
Nas raras férias que nos cinquenta e um anos de médico concedeu a si mesmo, o trabalho continuava. Sucedeu, por exemplo, quando entre 1920 e 1934 foi algumas vezes até às Pedras Salgadas para descansar uns dias, prevenir clientes pobres que tinha, residindo em localidades por onde o comboio passava e para os quais era difícil a deslocação até à capital. Então, em certas estações entravam dois ou três, que ele observava, aconselhava e medicava e que saiam na estação seguinte, transformando assim a carruagem do comboio em consultório ambulante. Mas não ficava por aqui este estranho repouso. Quando chegava às termas, já se tinha espalhado que ia chegar o «doutor da vista que tratava os pobres de graça»; e eram consultas diárias, às dezenas, terminando por vezes de ter de mandar seguir de Lisboa material cirúrgico, pois até operações terminava por fazer.
No documento intitulado “Doutor Eurico Lisboa”, escrito pelos filhos Pedro Eurico e Eurico José, após a morte de seu Pai, está bem explicita a santa dedicação à profissão de médico, para além do que esta implica de devoção aos outros. São muitas as passagens descritas nas suas páginas, em que algo de mais transcendente impelia o Doutor Eurico Fernandes Lisboa para uma entrega permanente aos seus doentes. Não foi um crente fervoroso em todas as etapas da sua vida. Compreensivas fases da juventude, vulgares quando a serenidade e a estabilidade familiares não passam de um desejo no horizonte longínquo, fizeram com que o jovem Eurico Lisboa, embora sem renegar a “religião maquinalmente seguida em pequeno, a esquecesse durante os anos de Coimbra”, conforme se lê na página 5, linha 5, do citado documento. Aentrada na vida activa e os exemplos que diariamente se lhe apresentaram, transformaram a sua quase indiferença perante os problemas do espírito, numa continua entrega à missão “aquecendo-o da mais viva Fé”, citando ainda o mesmo documento. Referente a esta etapa da vida de seu Pai, o filho mais novo, Engenheiro Carlos Eurico, o único dos cinco irmãos nascidos no Casal de S. José, nas suas pesquisas à volta do espólio familiar, encontrou o testemunho, já em Coimbra, de um facto ali ocorrido no ano de 1899, dando-nos dele conhecimento. Entre as folhas de um Missal, um pequeno papel amarelado noticia que o Dr. Eurico Fernandes Lisboa, no dia 23 de Março daquele ano: – “Confessou-se e commungou na parochial Egreja d’esta freguesia da Sé Cathedral na Quaresma do corrente anno de 1899” Assina o documento o Reitor da Sé Cathedral Francisco dos Santos Nazareth. Terá sido após este ano e durante mais alguns, que a Fé terá estado um pouco arredada do pensamento do Dr. Eurico Lisboa. Não deixa de ser curiosa a circunstância de haver um registo com esta informação num documento que resistiu ao tempo mais de cem anos, chegando até à actualidade como que marcando o início de um período de indiferença perante a Religião, terminando com o episódio transformador já relatado e ocorrido no Instituto Gama Pinto : “O convívio com as «irmãs de caridade» que então exerciam a enfermagem no Instituto Gama Pinto, fê-lo surpreender-se pela dedicação aos doentes que nelas encontrava, e pela humildade perante ordens e repreensões agrestes, por vezes injustas, e sobretudo pela misteriosa transformação que nelas se operava quando, esmagadas pela dor, entravam na Capela, de lá saindo sempre risonhas”.
A estação do caminho-de-ferro da Parede, nos anos 30 do século XX
Médico da Sociedade Estoril, a empresa a quem foi dada em 1917 a exploração da denominada Linha de Cascais, com a obrigatoriedade de proceder à sua electificação, um episódio curioso ligou-se à história da Parede envolvendo o Dr. Eurico Fernandes Lisboa. Já concluída a construção do Casal de S. José e distando este algumas centenas de metros da estação do caminho-de-ferro, o maquinista da composição onde viajava o Dr. Eurico Lisboa tinha para com este a atenção especial de fazer uma paragem extra junto da sua casa, como se ali existisse um apeadeiro particular, para que este pudesse saltar sem ter de calcorrear o caminho desde a estação.
A entrada Norte do Casal de S. José e o jardim e a Capela vistos desta entrada
À direita, parte do Salão Térreo, com 260 m2 disponibilizado para a celebração de eventos. (Fotografias de Setembro de 2012)
O Casal de S. José está definitivamente ligado à história da Parede pela fama reconhecida das suas águas de nascente. Seria, no entanto, injusto, referir este facto como o mais relevante que esta Casa deu à terra. Mais importante foi o prestígio que a família do Dr. Eurico Fernandes Lisboa alcançou, quer a geração dos filhos do casal fundador, quer a dos descendentes destes, tanto nas suas actividades profissionais como nas suas ligações ao meio artístico onde se assinalam exemplos vários. Mais adiante se fará referência a esta realidade. Adquirido o terreno à condessa d’Edla, a quem neste livro se dedica um capítulo especial, madrinha de baptismo de D. Elisa Adelaide Telles de Macedo Corrêa, mulher do Dr. Eurico Lisboa, foi nele construído o Casal de S. José pelo construtor Diamantino Tojal. No terreno, com cerca de 5.000 m2, foi desenhado um belo jardim com arruamentos e algumas pequenas edificações, como a Capela, a Estufa, o Depósito de Água e o Poço, trabalhos que contaram com a colaboração do Mestre Pintor José Malhôa, amigo pessoal do Dr. Eurico Lisboa.
Imagem próxima da Capela
o tecto da Capela, em «maceira», decorado com três quadros pintados por mestre José Malhôa, representando a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo
O Altar e o interior da Capela foram realizados sob aconselhamento do pintor José Malhôa, cerca de 1925. Primitivamente, esta Capela encontrava-se dentro da Casa Principal da família. Na década de 70, foi construída a edificação que se encontra no jardim e desde então o culto passou a celebrar-se no exterior da Casa.
José Vital Branco Malhôa nasceu nas Caldas da Rainha, no dia 28 de Abril de 1855 e faleceu em 26 de Outubro de 1933, em figueiró dos Vinhos. Coma idade de 12 anos entrou para a Escola de Belas Artes, tendo conquistado, em todos os anos de frequência, o primeiro prémio. Apresentou os seus trabalhos em exposições no estrangeiro, nomeadamente em Madrid, Rio de Janeiro e Paris. Foi o primeiro presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes. Após a sua morte foi criado o Museu José Malhôa na cidade das Caldas da Rainha.
José Malhôa, no Casal de S. José, nos finais dos anos 20
“Fado” pintado em 1910, um dos trabalhos de maior divulgação do pintor.
O quadro “Os Bêbados” pintado em 1907
O livro “Parede, a terra e a sua gente” fica valorizado pela divulgação da influência de um artista como José Malhôa, na construção de uma das mais destacadas Casas desta terra.
Anteriormente foi referido o prestígio que a família do Dr. Eurico Fernandes Lisboa alcançou, quer a geração dos filhos do casal fundador, quer a dos descendentes destes, tanto nas suas actividades profissionais, como nas suas ligações ao meio artístico, onde se assinalam exemplos vários. José Eurico Corrêa Lisboa, nascido em 31 de Dezembro de 1912, engenheiro agrónomo de profissão, foi cantor lírico, e sua mulher, D. Maria Isaura Bello de Carvalho Pavia de Magalhães, foi conceituada violoncelista. Dos filhos deste casal, Manuel Eurico, engenheiro mecânico, fez parte, como cantor, do coro da Fundação Calouste Gulbenkian e Maria Elisa é actriz teatral, com actuações em séries e novelas televisivas nacionais e da Rede Globo brasileira. É também professora de interpretação na Escola Superior de Teatro e Cinema. A inclinação artística revelada por Manuel Eurico e sua irmã Maria Elisa, para além do exemplo recebido de seus Pais, não será alheia à influência de seus Avós maternos, o maestro e violinista Eduardo Henriques Pavia de Magalhães (1885-1960) e a pianista Branca Baptista Bello de Carvalho (1890-1952) Eurico José Corrêa Lisboa, nascido em 1915, licenciado em Românicas, foi dramaturgo e professor do Conservatório de Arte Dramática. Revelou-se ainda um talentoso artista plástico, na pintura e no desenho. João Eurico Corrêa Lisboa, nascido em 1921, médico oftalmologista como seu Pai, casou com D. Maria Helena Vieira Castel-Branco, também médica de profissão. Ocupa a ala Poente da casa principal, propriedade que adquiriu por partilhas entre irmãos.
Carlos Eurico Corrêa Lisboa, nascido em 1928, engenheiro mecânico, casou com D. Mary Luz Rivero Mejias. É o mais novo dos cinco irmãos e o único que nasceu no Casal de S. José. Na década de 60 do século passado, prestou serviço em Angola numa ligação profissional à empresa “Mobil Oil”. Posteriormente foi Director técnico-comercial da cimenteira “Secil”, até 1978, altura em que criou escritório próprio para comercialização no mercado internacional, tendo passado dois anos no Egipto, até 1980, onde geriu um navio-armazém de cimento de 80.000 toneladas, em Alexandria. É actualmente um dos três irmãos que mantêm esta quinta, tendo ficado detentor da parcela Norte, onde se encontra implantado o Salão Térreo com 260 m2, para a celebração de eventos, e onde mandou construir a sua casa de habitação, numa área que outrora fora propriedade da Sociedade Central de Cervejas. Os outros dois ramos, proprietários, são o de seu irmão Pedro Eurico, com a ala Nascente da casa principal e o de seu irmão João Eurico, com a ala Poente, como referido.
Pedro Eurico Corrêa Lisboa, nascido em 1924, foi conceituado médico especialista na área da diabetologia. Casou com D. Maria Adelaide Gonçalves Carvalho Pires Lisboa. Falecido em 2011, o seu desaparecimento deixou um vazio na família, na profissão e nos seus inúmeros amigos.
O Professor Dr. Fernando de Pádua deu voz a esse sentimento, num texto evocativo do amigo e colega, com a data de 19 de Janeiro de 2011, que aqui se transcreve.
Professor Fernando de Pádua
“Pedro, Pedro porque me abandonaste?” Foi este o meu sentimento interior quando no anfiteatro da Faculdade de Medicina/Hospital de Santa Maria, na abertura de Sessão Clínica para que fora convidado, ouvimos do Director da Faculdade a notícia: «faleceu o Professor Pedro Lisboa!» Tal como me aconteceu há dois anos com o Metelo (Dr. Manuel Dejante Pinto Magalhães Arnão Metelo), a perda do Pedro Lisboa (Professor Pedro Eurico Lisboa), o 2.º dos quatro ou cinco amigos, sinto-a como se perdesse um bocado de mim. O Metelo vinha do liceu, éramos como irmãos, crescendo juntos; o Pedro conheci-o na Faculdade (Hospital de Santa Maria), e a sua sinceridade, frontalidade e cada vez maior amizade, eram genuínas – gabava-se de ser o único colega a quem eu chamava de «amigão», e de saber que sabia que se fizesse alguma coisa de errado ele me diria imediatamente, apesar de eu ser já professor catedrático e seu Director. Quando comecei a falar em público com as populações (década de setenta), em reuniões, nos jornais, e depois na TV, bem me avisou seriamente preocupado:
Fernando, toma cuidado, tu já subiste tão alto, tens tudo o que querias. Porque te arriscas a cair lá de cima? Vão-te acusar do desejo de protagonismo, de propaganda pessoal». Ri-me e disse:
Então eu não sei? Já ouvi tanta coisa, fora o que não me disseram.
Mas agora digo-te eu, tens de me acreditar! Acredito! Mas acredita em mim, tenho de fazer isto. As pessoas precisam de mim e de nós! E assim o Pereira Miguel, o Zé Augusto, o meu Zé Manel, a Maria de Lourdes Modesto, o Correia Nunes, o Pais de Lacerda, o Eduardo Magalhães, o Evangelista Rocha, e sei lá que outros, se me juntaram tantas e tantas vezes na televisão em «O seu motor», com o José Manuel Tudela! O Pedro chegou a encabeçar comigo um programa orientado pelo malogrado Raúl Durão – «Consultório», que tanto sucesso teve, que a RTP se sentiu obrigada, no final de cada sessão, a projectar os nomes de todas as pessoas que tinham enviado pedidos de esclarecimento e a quem pediam sempre desculpa por ser ter esgotado o tempo. A sua exuberância, a clareza de exposição e o inato jeito pedagógico com que ensinava as crianças a vigiarem elas próprias o nível de glicémia e a se auto-injectarem com a dose calculada de insulina, eram espectaculares. Se as crianças são capazes (perguntava eu), não serão os adultos suficientemente crescidos para auto medirem a tensão arterial e auto-modificarem a dose dos medicamentos de acordo com a orientação do seu médico de família? – automedicação supervisionada! Foi também o primeiro a quem vi dar aulas de educação para a saúde aos seus doentes – diariamente, na consulta de Diabetes do Hospital de Santa Maria, subia para um banco e pregava uma verdadeira homília científica aos vinte ou trinta doentes que aguardavam a sua vez. Recordo constantemente uma das suas mais claras explicações para o sucesso da mediatização da saúde na TV: a primeira vez que o convidei a juntar-se a mim numa das minhas palestras de promoção da saúde, veio dizer-me logo pela manhã. – «Oh Fernando, mal dormi esta noite a pensar! É que cheguei à conclusão de que teria de viver quatrocentos anos para dar esta lição a todas as pessoas que me vão ouvir esta noite na TV!». Recordação inesquecível o seu Doutoramento. À boa maneira coimbrã o catedrático de fora desdenhou e criticou (exageradamente no meu entender) o seu trabalho de longos anos (possivelmente, dizem, para provocar e enriquecer a discussão), mas ele e os seus sentiram-se amachucados. E depois de, na minha intervenção, ter dado o testemunho pessoal da sua perseverança, da sua luta, e do imenso trabalho que eu vira crescer ao longo dos anos, veio-me agradecer comovido: – «Oh Fernando estavam lá os meus filhos e a minha mulher; ficaram em lágrimas, orgulhosos e perdoaram-me todo o tempo que lhes tinha roubado» Quando na Sessão Científica de hoje, onde eu era simples convidado, ouvi dizer que te tinhas ido embora Pedro, meu amigão – pedi a palavra para recordar a todos como tu animavas e enriquecias sempre todos. Nas sessões confessavas-te eterno estudante: – «eu sou o estudante mais velho de todos que aqui estão e quero perguntar o que os outros não tiveram a coragem de fazer: explique lá…isto ou aquilo!». Seguias na discussão o exemplo inesquecível do saudoso professor Armando Ducla Soares, o exímio comentador que tanto enriquecia as sessões quando falava. E estou a vêr o Pedro, no dia em que apresentaram um caso de leucemia aguda numa criança, depois de curada, levantar-se e voltar-se para uma centena de alunos e gritar: «Vocês percebem o que estão a vêr? Isto é um milagre! Antigamente este diagnóstico era um horror, morte certa, e uma tragédia para a família toda. E hoje 80% são curados. Acreditem que é um milagre da medicina!». Adeus Pedro. Não só Ele, também tu fizeste milagres! Grande xi-coração do teu amigo! Isto é…Amigão! Fernando
Dr. Pedro Eurico Lisboa
Tem a data de 31 de Agosto de 1954 esta fotografia de família, uma das últimas registadas em vida do Dr. Eurico Lisboa. Entre filhos, noras e netos do casal, o Bispo de Beja, D. José do Patrocínio Dias, que na data veio ao Casal de S. José para abençoar o casamento de Carlos Eurico com D. Mary Rivero Mejias os quais, dois anos antes, haviam casado por procuração. Desta forma “repetiram” a cerimónia do seu casamento, agora com presença física de ambos.
Casal de S. José 31-8-1954 1 – Pedro Eurico Corrêa Lisboa 2 – Eurico José Corrêa Lisboa 3 – D. Mary Luz Rivero Mejias Lisboa (casada com 4) 4 – Carlos Eurico Corrêa Lisboa 5 – João Eurico Corrêa Lisboa 6 – D. Maria Helena Vieira Castel-Branco Lisboa (casada com 5) 7 – José Eurico Corrêa Lisboa 8 – Manuel Eurico Pavia de Magalhães Lisboa (filho de 7 e 14) 9 – Dr. Eurico Fernandes Lisboa 10 – D. Elisa Adelaide Telles de Macedo Corrêa Lisboa (casada com 9) 11 – João Castel-Branco Lisboa (filho de 5 e 6) 12 – D. José do Patrocínio Dias, Bispo de Beja 13 – D. Clotilde Telles de Macedo Corrêa (irmã de 10) 14 – D. Maria Isaura Bello de Carvalho Pavia de Magalhães Lisboa (casada com 7) 15 – Maria Helena Castel-Branco Lisboa (filha de 5 e 6) 16 – Margarida Maria Pavia de Magalhães Lisboa (filha de 7 e 14)) 17 – Maria José Pavia de Magalhães Lisboa (filha de 7 e 14) 18 – Maria Elisa Pavia de Magalhães Lisboa (filha de 7 e 14)
Numa fotografia posterior ao falecimento do Dr. Eurico Fernandes Lisboa, sua viúva D. Elisa Adelaide, com os filhos e noras Em cima: Carlos Eurico, José Eurico, Eurico José, João Eurico e Pedro Eurico Em baixo: D. Mary Luz, D. Maria Isaura, D. Elisa Adelaide, D. Maria Helena e D. Maria Adelaide
Desenho a carvão do Dr. Eurico Fernandes Lisboa, trabalho executado após o seu falecimento, em 1956 por seu filho Eurico José, um artista plástico de grande talento.
Em 1942, a Direcção Geral de Minas e Serviços Geológicos tornou público um relatório abordando a situação das minas de água em Portugal, referenciado ao ano de 1940, da autoria do engenheiro chefe da Inspecção de Águas, Luiz de Meneses Corrêa Acciaiuoli. Neste relatório, as páginas 111 a 126 são dedicadas à Água da Mina de S. José ou Água de S. José, no concelho de Cascais, freguesia de S. Domingos de Rana. Trata-se de uma detalhada descrição desta nascente, concessionada ao Dr. Eurico Fernandes Lisboa, cujo registo na Câmara Municipal de Cascais tem a data de 20 de Setembro de 1934. Deste relatório, transcrevem-se algumas passagens mais significativas, trazendo para o presente elementos históricos de uma das riquezas patrimoniais da Parede, durante um significativo período em que este recurso foi objecto de exploração.
ÁGUA DA MINA DE S. JOSÉ ou ÁGUA DE S. JOSÉ Concelho de Cascais, freguesia de S. Domingos de Rana – Natureza – Hipossalina, bicarbonatada cálcica Indicação terapêutica – Doenças gastrointestinais.
Concessionário – Dr. Eurico Fernandes Lisboa, por alvará de 28 de Fevereiro de 1940, publicado no «Diário do Governo» de 9 de Março de 1940; tem a área reservada de 50h70a00c pelo alvará de concessão. Foi esta nascente, por despacho ministerial de 19 de Novembro de 1936, licenciada como água de mesa, enquanto não estivesse concluído o inquérito comprovativo do valor terapêutico da água. A nascente tinha sido registada na Câmara de Cascais em 20 de Setembro de 1934. As conclusões do boletim de análise são as seguintes: é uma água hipossalina, bicarbonatada cálcica, com 0,21 milimicrocuries de rádon em 1 litro de água; o valor do ph é 7,2. O estudo terapêutico da água, assinado pelo Dr. José Aboim Ascensão Contreiras, apresenta vários casos clínicos examinados que comprovam os resultados previstos; esta água mostra evidentes propriedades terapêuticas em casos de diabetes e perturbações gastrointestinais. O estudo geo-hidrológico é da autoria do engenheiro Carlos Freire de Andrade e os trabalhos de captagem foram dirigidos por este engenheiro, sendo perfeita a captagem, podendo servir de modelo na técnica. Mais adiante no relatório pode ler-se: … Estas águas brotam na Parede, concelho de Cascais e a cerca de 20 Km de Lisboa. Estão na propriedade do Dr. Eurico Lisboa, sendo fácil o acesso por estrada ou pelo caminho-de-ferro da Sociedade Estoril.
O Edifício da Nascente e o Reservatório que se assemelha a um pombal, é a materialização de um desenho do pintor José Malhôa, transformando o que poderia ser uma vulgar edificação, numa original e estética construcção.
A água da mina do Casal de S. José brota a 9,90 metros da superfície, e dum filão de basalto, cortado pela galeria que liga a nascente com o Poço que tem 16,50 m de profundidade. Este Poço foi aberto a cerca de 70 metros da riba e a uns 20 a 22 metros acima do nível do mar, visto que a costa é escarpada neste sítio. Resolveu proceder-se ao estudo dos seus caudais durante um certo tempo, a fim de se obterem alguns dados sobre o regime da nascente. Estes estudos demoraram alguns meses, visto ser necessário verificar a influência provável que as águas das chuvas poderiam ter sobre o caudal e quanto tempo decorreria entre a queda da chuva e a variação na quantidade de água. O primeiro caudal foi obtido após a época de Verão, já no Outono, em 22 de Novembro de 1934, fornecendo ao nível da galeria, isto é a 9,90 metros de profundidade, cerca de 8 m3 nas vinte e quatro horas. Em 23 de Fevereiro de 1935 o caudal era de cerca de 11m3 diários depois da mina estar a descoberto durante trinta e seis horas. No dia 29 de Junho de 1935, pelas 13 horas, a temperatura da água era de 18º C e a do ambiente 24º C, sendo a pressão barométrica de 761 m/m.
O Poço, igualmente uma edificação aconselhada pelo Mestre Pintor, encimado por um azulejo da fábrica “Viúva Lamego”, representando Santa Luzia, padroeira da visão.
Os elementos referidos sobre as propriedades das águas de S. José, extraídos do relatório do engenheiro Luiz Acciaiuoli, são apenas uma pequena parte do extenso descritivo elaborado por este técnico em 1942. Ao longo das suas páginas, são-nos apresentadas as técnicas de perfuração, captação e transporte da água, desde a sua fonte até à linha de enchimento, término da cadeia construída para a sua comercialização, e ainda exigências sobre a higiene das instalações. Mais do que as considerações técnicas e recomendações que neste relatório são exaustivamente apresentadas para efeito de concessão e manutenção do alvará de exploração, interessará ao leitor os dados relativos às qualidades terapêuticas, ao caudal da nascente e às quantidades comercializadas, elementos também contidos neste estudo. …” As instalações da oficina de engarrafamento são amplas, higiénicas, pavimentadas a mosaico, revestidas de azulejo; constam do vestíbulo com «panneaux» adequados, ao centro a fonte posta à disposição do visitante, e ao fundo as dependências onde se fazem a lavagem, o enchimento e a rotulagem das garrafas; existe também um local onde se faz a esterilização do vasilhame, sendo o sistema adoptado o da lavagem mecânica com água sob pressão, desinfecção com soluto de ácido sulfúrico e nova lavagem sob pressão. A secção sanitária destinada ao pessoal está higiénica e bem montada. Saíram 78.748,5 litros de água distribuídos do modo seguinte: Em garrafões exportados para África, 500 litros; Vendidos na Linha de Cascais e em Lisboa: Em garrafões 78.120 litros; Em garrafas de 1 litro, 90 litros; Em garrafas de 1/2 litro 32,5 litros; Em garrafas de 1/4 litro, 6 litros Como pessoal trabalha 1 chauffeur e distribuidor e 2 enchedeiras que trabalharam 287 dias. O salário diário é de 8$00, à excepção do do chauffeur que é de 18$00. Pagou de imposto proporcional 790$00 Como água de mesa saíram em 1939, 77.972 litros de água.