Crônica 03 – “O Carteiro Joaquim Faria”
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Homem agredido à machadada em Parede
February 8, 2024Uma obra de D. Francisca Lindoso

A Associação de Beneficência e Socorros “Amadeu Duarte” e os Bombeiros Voluntários de Parede são duas instituições com grande visibilidade na acção exercida na terra ao longo dos anos. A primeira, no campo de apoio social, sobretudo quando há anos manteve em actividade um Hospital sediado na Avenida dos Príncipes, onde recebeu e tratou muitos dos pacientes sofrendo de problemas ósseos, e a segunda no socorro em situações de emergência.
Não são as únicas a que este trabalho de memórias faz justiça em capítulos a elas especialmente dedicados, porque o faz também relativamente a outras com vocação para o bem e com relevantes serviços de apoio continuado à sua população.
O “Instituto da Sagrada Família” foi uma dessas Obras, com uma actividade muito importante durante o período largo da sua existência, mantendo-se ainda hoje no cumprimento dos princípios e desejos da sua fundadora, D. Francisca Lindoso. A sua obra merece um destaque especial nesta edição.
Em 20 de Maio de 1991 num pequeno opúsculo da autoria de Palmira Maria da Assunção Rodrigues, assinalando o 1.º Centenário de Francisca Lindoso, é referida a obra e a personalidade da fundadora.
Com a devida vénia, transcreve-se esse texto por ser a forma mais correcta e verdadeira de dar público conhecimento desta instituição, através de alguém que muito próxima foi sua colaboradora.

Instituto da Sagrada Família na Madorna
Instituto da Sagrada Família
A semente que continua a crescer, da força do querer nasceu a obra, uma obra de amor e dádiva total de Francisca Lindoso, um mito que ficou na memória de todos nós.
A sua presença mantém-se viva no Instituto e no bairro através da lembrança de avós e pais que por cá passaram e vêm agora deixar os seus netos e filhos, manifestando as satisfações e segurança sentidas, também recordando com carinho as experiências vividas.
A obra nasceu em Sassoeiros (em 1917), andou por S. Domingos (1922), Carcavelos (1931) e Parede (1935).
Em 1955 considerou o Ministério da Saúde e Assistência que a obra, no seu género, único no país, deveria transformar-se numa instituição com estatutos próprios, tendo uma Direcção presidida por Francisca Lindoso e outras senhoras voluntárias, passando a designar-se por «Instituto da Sagrada Família».
O surto urbanístico desencadeado nesta época e as características sociais dos utentes de Parede, levaram Francisca Lindoso a considerar desajustada a localização do estabelecimento relativamente aos objectivo e daí o decidir mudar-se para Rana, em 1966, e encarando a possibilidade de criar um edifício de raiz cuja primeira pedra foi lançada em 1967, no lugar da Madorna, onde ainda hoje continua a funcionar.
Em 1968, mesmo sem estarem concluídas as obras do edifício, iniciaram-se as actividades com crianças em idade escolar (escola primária e A.T.L.) continuando as outras actividades a funcionar em Rana (internato, 2.ª infância, costura e bordados).
À medida que as obras foram sendo concluídas, as diferentes actividades foram progressivamente transferidas para o novo edifício.
Da força do querer nasceu a obra…Com persistência, trabalhando serena e constantemente, vivendo cada momento de sua vida na fé, foi angariando os fundos necessários à manutenção e ao progresso da mesma. Conseguiu assim melhor compreensão dos organismos oficiais que passaram a comparticipar com subsídios.

Os bordados e a costura, a confecção de alimentos para fora, o aluguer de salas para casamentos e baptizados foram algumas outras formas encontradas para que a obra subsistisse.
Da força do querer nasceu a obra e foi-se transformando…A admissão de pessoal técnico (educadoras de infância e enfermeiras) trouxe nova dimensão à obra. A pouco e pouco a equipe técnica foi sendo alargada e através de uma atitude pedagógica levou a modificações e à conquista progressiva de alguns objectivos.
Com a preocupação de não serem desvirtuados os princípios sempre defendidos por Francisca Lindoso no desenvolvimento da sua acção, e tendo surgido uma época (1974) de instabilidade política que questionou a continuidade dos objectivos da obra, foi tomada a opção de doá-la ao Estado, salvaguardando deste modo a continuação da mesma (31 de Janeiro de 1977).
Dando sentido à sua vida deixou-nos uma lição: «A vida de cada um só é vivida se o projecto for amor e acção»
E é ainda a mesma colaboradora, Palmira Maria da Assunção Rodrigues que nos conta em breve biografia, o percurso de vida e a acção benfeitora de Francisca Lindoso.
Sua mãe, a condessa de Lindoso, perdera no espaço de um ano seu marido e seu filho mais novo. Aconselhada pelo seu médico deixou Lisboa para ir viver fora da cidade, em terra mais sadia. Abriu-se-lhe a possibilidade de morar em Carcavelos, graças à oferta da condessa de Moçamedes e de sua filha, D. Luísa Freire Cabral que lhe cederam uma pequena moradia em Sassoeiros, perto da sua quinta do Barão.
Francisca Lindoso inicia então uma cruzada de apoio a crianças, reunindo, talvez influenciada pelo número dos apóstolos de Cristo, 12 meninas das mais necessitadas, sobretudo órfãs.
E foi na Quinta do Barão que em regime de externato a Obra começou a tomar forma.
Conta Palmira Maria Rodrigues, que entrou naquela casa com a idade de 4 anos e que ali se reuniam várias senhoras para confeccionarem roupas e outros agasalhos para as meninas de Francisca.
D. Margarida Cardoso de Meneses (Margaride), D. Luísa Cabral e D. Eugénia Belmonte formaram um grupo de apoio a esta cruzada. E prossegue o seu relato: Havia na freguesia um problema de difícil resolução, atendendo ao espírito religioso de Francisca e aos objectivos e cunho católico que pretendia imprimir à sua obra. Desde 1910 que a igreja de S. Domingos de Rana se encontrava encerrada ao culto, resultante das perseguições anti-clericais após a implantação da República.

Vários anos se passariam até que, graças aos esforços de várias famílias, das quintas da Alagoa, de Rana e do Barão, com posição económica e detentoras de prestígio na terra, e ainda com ajuda de gente anónima, foi possível a reabertura da Igreja em 1918.
Nessa altura foi nomeado pároco desta paróquia o cónego D. Álvaro dos Santos.
Uma vez reaberta a Igreja, Francisca Lindoso e as suas meninas mudaram-se para uma vivenda no lado ocidental desta, ainda por cedência da família Freire Cabral.
Em 1922 morre a mãe de Francisca e esta afasta- se durante um mês para junto de seu único irmão. Decide então, de volta à sua obra, comunicar a sua intenção de recolher a uma Ordem Religiosa Missionária para a qual se sentia vocacionada.
No entanto, o pároco conseguiu convencê-la de que a sua missão era ali, junto das suas crianças e Francisca aceita o conselho desistindo da sua intenção.
Inicia então, nova etapa na vida desta Obra. Alugando a Quinta do Mato, logo o apoio foi alargado a mais necessitados. De 15 passou para uma frequência de 40 beneficiados, alguns já em regime de internato.
Vivia-se um período ainda muito difícil, decorrente da miséria causada em muitas famílias pela guerra terminada há poucos anos. Com a ajuda das famílias referidas Francisca Lindoso levou a cabo programas de vacinação e visitas médicas domiciliárias.
Era preciso ir mais longe e tratar das almas. Como o Prior era por vezes mal recebido, lá ia Francisca Lindoso percorrendo a pé os 19 lugares da freguesia, catequizando e apoiando os visitados nas suas carências. Levava-lhes roupa, medicamentos e um farnel complementando a ajuda e a Palavra. Assim, foi lançando a semente por aquelas terras onde as ideias da época tinham afastado as pessoas de Deus.
A Obra foi crescendo e já então muito procurada por crianças de Carcavelos e da Parede.

União Paredense (SMUP)
O grande impulso deu-se a partir de 1935 quando nova sede foi aberta na Parede.
Com casa própria e 4 professores de instrução primária, a forte comparticipação financeira do Estado permitiu a frequência da instituição de 240 crianças, com actividades escolares e ocupação de tempos livres.
No entanto, o sonho da fundadora ainda não se realizara na sua plenitude.
Concretizou-se, finalmente, com a construção de uma casa feita de raiz, projectada para a dimensão da obra.
Esse projecto implicou a venda da casa da Parede, nova mudança, provisória, em 1966 para Rana, e finalmente em 1967 com o lançamento da primeira pedra do edifício da Madorna, a garantia de uma estabilidade alcançada, sendo actualmente ali sediada a instituição onde mantém um Centro de Acolhimento com 13 funcionários que cuidam de 14 crianças em regime de internato, 24 sobre 24 horas, cumprindo medidas de protecção decretadas pelos tribunais, uma Creche com 46 crianças e um Jardim Infantil com 60, sob a vigilância de 23 colaboradoras.
Em 1 de Julho de 1917 nasceu a obra. Com a força do querer e o exemplo da sua fundadora, D. Francisca Lindoso, cresceu e a caminho do centenário, é um dos símbolos desta terra solidária que a nossa memória retém para exemplo das gerações futuras.
Este relato da acção social de D. Francisca Lindoso não reflecte a grandeza do seu percurso de vida, que desde muito nova entregou totalmente ao serviço do próximo.

teatral no Instituto da Sagrada Família, com seu marido António Jesus Rodrigues
A Instituição, não conservando no seu arquivo os documentos das épocas e fases de mudança porque passou desde a sua fundação, eventualmente por razões ligadas às várias localizações da sua sede, terá perdido, nessas mudanças, o que de mais valioso poderia melhor ilustrar a sua história.
D. Francisca não teria, também, a preocupação de arquivar documentação que de alguma forma pudesse ser interpretado como acto de vaidade pela obra feita. A sua modéstia e simplicidade não albergavam esse sentimento.
Os documentos e fotografias apresentados foram cedidos pelas filhas de D. Palmira Maria da Assunção Rodrigues, Maria da Conceição e Maria José.


1-Rita, 2-Antónia Moreira, 3-Joaquina Moreira, 4-Lisete, 5-Padre Nabais, 6-Alzira, 7-D. Francisca Lindoso, 8-Lourdes
Caniço, 9-Palmira Maria Assunção Rodrigues, 10-Cidália Carvalho (irmã do Manuel da Farmácia Brandão), 11-Maria Carvalho, 12-António de Jesus Rodrigues, 13-António Lopes Nogueira (cunhado de 15), 14- Albertina, 15-Luis António Vaquinhas, 16-Manuela Domingos, 17-Armando Rodrigues Vaquinhas

D. Francisca, numa oração e mensagem de improviso, no seu leito de morte em 3 de Fevereiro de 1978
dos livros ” Parede a terra e a sua gente”
autor – José Pires de Lima


